Desculpa, Brasil, eu não sou o Spike Lee.

Texto e Artes por Pedro Carneiro para a Revista Brasil Mood – Edição Zero 


Meu sonho sempre foi ser um herói. Eu queria o pacote completo, todo o pacote de superpoderes que você poderia imaginar e acredite, eu imaginei, porém estar aqui…isso eu não imaginei. Na verdade até essa semana eu continuei sem imaginar, mas quer saber? Minha imaginação é muito limitada. Tão limitada que ela nunca me fez pensar que uma ema poderia atacar o Presidente da república, como ela poderia acertar então sobre o meu destino?

Precisamos falar sobre o filme/seriado chamado Brasil!

Ouso dizer que no Brasil só o Belchior estava certo. Ano passado de fato eu morri, mas esse ano eu não pretendo, inclusive escrevo daqui, para aí, avisando a todos, todas e todes. Não pretendo morrer e digo mais: pretendo que ninguém mais morra, afinal eu já morri em outro ano e morri quando o Marcus Vinicius morreu, morri quando a Ágata morreu, morri quando falaram para ficarmos em quarentena e mesmo assim continuaram a nos matar. Mas esse ano eu não pretendo morrer, tenho muito o que viver, se o presidente luta contra uma ema, eu luto para acreditar que eu vou escrever um bom texto, mesmo não acreditando. Alguns dirão, problemas de autoestima.

“REI” – Pedro Carneiro

Eu respondo: 

“Óbvio!”

Não quero falar agora sobre autoestima, na verdade, eu nem sei dizer o que de fato é isso, parece uma coisa tão nova que eu nem sei se ela existe mesmo. Tanto não sei que fiquei muito tempo olhando para uma tela em branco me convencendo a escrever. Por que na minha cabeça, você não estaria interessado em ler. E tá tudo bem, mas eu vou escrever mesmo assim.  Passado esse infeliz clichê de me convencer que eu posso ter o mínimo de qualidade na escrita, eu não escrevi nada. Dei o play aleatoriamente em uma das minhas playlists. 

Eu estava falando sobre autoestima, mas o Djonga já falou tão bem. Acho que você deveria escutar “CORRA”, do seu álbum “O menino que queria ser Deus”. Tá tudo ali ou pelo menos grande parte. É bem melhor do que eu escrevendo, depois você pode procurar outras obras para se aprofundar, mas essa música, ah, essa música… Eu poderia falar com você sobre esse disco agora, em uma mesa de bar, mas não podemos. Vamos marcar alguma coisa então mais para frente, sei lá, uma chamada de vídeo?

Eu não queria falar sobre racismo hoje, mas esse mal me atravessa e eu acabo falando dele sem perceber. Na verdade o racista fala de mim sem eu perceber também. Eu tinha pensado em falar sobre escrever uma carta de amor, mas esse roteiro de trama política (extremamente previsível) sobre o filme/seriado chamado Brasil, me pegou. Não no bom sentido, mesmo eu que gosto de filme e seriados que tem uma narrativa muito comum, me incomodo com a construção do roteiro que virou o Brasil. Você pode não concordar, mas a verdade é essa. O roteirista do Brasil perdeu a criatividade. Temos um vilão/presidente muito caricato, um povo apático e um guru que em toda sua sabedoria de ensinar tudo para você não se tornar um idiota, transformou a todos os discípulos em idiotas. É tudo de tamanha surrealidade nas ações desses personagens que perdemos a naturalidade, o fato; o real é ir contra a natureza dos fatos. Ao meu ver, essa construção narrativa beira o mesmo clichê de um racista que se justifica falando que tem um amigo negro ou um parente distante preto.

“SANTO MARGINAL” – Pedro Carneiro

Sente o quadro: um “líder” de uma nação ergue a caixa de um remédio como se fosse um troféu e uma “multidão” vibra. Se eu vejo essa cena em um filme iria imediatamente comentar, tentando conter o riso: 

“Me parece uma tentativa desesperada do autor de conseguir a atenção criando uma cena tão absurda, mas tão absurda que parece que fui eu que escrevi.” 

A pessoa para quem eu comentaria iria me mandar calar a boca imediatamente e continuaríamos assistindo essa comédia de absurdos.

Eu não sei porque, mas esse discurso cheio de símbolos vazios me faz recordar uma frase que eu escutei muito na minha vida, frase essa que já surgiu várias situações, principalmente quando o debate é racismo.  

A frase. Aquela maldita frase.

“Você nem é tão negro assim.”

As pessoas que não me conhecem e estão lendo o texto: 

“Então ele é negro…mas não é tão negro?”

Pausa dramática. 

“FOGO NOS RACISTAS” – Pedro Carneiro

Nesses dois momentos eu imagino uma pausa no som ambiente. Entra a voz do narrador, como nos filmes do Padilha, descrevendo que nada faz sentido. E algum palavrão no meio, para dar impacto à fala:

– Que PORRA é essa?!

O lugar comum está no fato de que um homem (não precisamos escrever nomes) criou uma fantasia em que ele descobriu a cura para uma pandemia. Da mesma forma, uma outra pessoa, que pode ser esse mesmo homem, criou uma nova profissão: sommelier racial.

Neste momento existe um corte. Um PM barrigudo, talvez já um capitão, com algum histórico de atleta entra em uma sala de aula, ajeitando suas calças que parecem estar caindo. Ele aponta para um indivíduo qualquer e fala:

– O seu tom pele é mais amendoado, então eu não posso afirmar que você é negro, mas pode ser que você andando na rua seja confundido com um bandido e venha a óbito. Tome uma dose de Cloroquina e tudo vai ficar bem, tá okay?

Devo dizer que tem um grupo focado em melhorar o serviço de sommelier de limpeza étnica. 

“SEMELHANTE SÓ A COR” – Pedro Carneiro

Desculpa. Me perdi.

Desculpa se você não está gostando do texto, desculpa mesmo, na verdade essa culpa nem é minha, é culpa do PT. Eles inventaram as cotas e dividiram o Brasil. Sério, um cara branco me falou isso outro dia, ele disse que inclusive não existia racismo até a redemocratização e os comunistas tomarem o poder. E ele até comentou comigo que não era racista e que a empregada dele até passava o natal com a família dele. Eu falei que não iria falar sobre racismo, mas estou aqui escrevendo como se fosse o próprio Spike Lee, e sabemos muito bem que não existe nenhum Spike Lee no Brasil, disseram isso até em uma entrevista. 

Mania chata é essa de buscar um artista americano no Brasil, eu não vejo ninguém procurando o Manoel Carlos dos Estados Unidos, mas aqui em terras brasileiras tem que ter um gênio igual a um gênio americano, me pergunto se essas pessoas não se questiona quantos dos nosso gênios já perdemos ano passado e não podem ter a escolha de se negar a morrer esse ano. No final quem estava certo mesmo, foram os Racionais quando lançaram “Sobrevivendo no Inferno” e agora o capeta tá sentado na cadeira de presidente.

Me desculpa mais uma vez, eu fui para tantos caminhos que me perdi nos meus próprios pensamentos e nem me apresentei. Meu nome é Pedro, prazer em te conhecer.


Pedro Carneiro (1988, Rio de Janeiro). Trabalha e mora no Rio de Janeiro, Brasil.

Pedro Carneiro desenvolve em seu trabalho questões relativas às relações humanas e raciais em conflito nos espaços urbanos. É através de pinturas, intervenções territoriais e espaciais, desenhos e light design que seus trabalhos constróem uma imagem em reflexo à histórias reais/irreais tendo como ponto de partida o reencontro com sua ancestralidade, buscando o seu entendimento como indivíduo negro na sociedade atual. Revela-se a dicotomia muitas vezes invisibilizada pelo silêncio que é imposto a população negra, fazendo-os esquecer de suas alegrias e do seu AXÉ. Os trabalhos surgem da ruptura e do confrontamento do artista com os impactos visuais e sonoros.

É a através de signos da cultura pop mescladas com imagens da herança diaspórica afro-latina que Pedro Carneiro compõe sua obra.