Incêndios no Pantanal

Texto por Jéssica Souza

 

Que 2020 tem sido um ano difícil todo mundo já sabe e está vivendo na pele. Pandemia, nuvem de gafanhoto, crise econômica, governo desgovernado e fogo e mais fogo Brasil a fora. Ano passado estávamos chocados com as altas taxas de desmatamento e com os incêndios de grandes proporções na Amazônia. Esse ano já perdemos 3,9 milhões de hectares de extensão do Pantanal. Será que tudo isso é anunciação do apocalipse ou será que nossas ações sob o planeta estão tomando proporções extremas cada vez mais frequentes? Como tudo isso está relacionado com a nossa forma de vida e nossos hábitos de consumo? Bem, escrever sobre tragédias ambientais em uma revista de moda, arte e comportamento deveria nos fazer refletir sobre isso. Então vou contar para vocês um pouco mais sobre os incêndios no Pantanal e porque você deveria se importar com isso.

Para começar, precisamos considerar as particularidades do bioma, os eventos climáticos e a falta de agilidade dos órgãos públicos na tomada de decisões assertivas de combate aos incêndios, e como esse conjunto de fatores tem causado um cenário de destruição e tristeza no Pantanal, com o fogo fugindo do controle e atingindo quase 4 milhões de hectares.

O Pantanal é um bioma brasileiro com aproximadamente 150.355 km2 de extensão, que abrange os Estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, ocupando 1.76% do território nacional e representando uma das maiores áreas úmidas contínuas do planeta. Ele é cercado por outros importantes biomas brasileiros: Cerrado, Mata Atlântica e Amazônia, e por isso apresenta características únicas. O bioma apresenta alta biodiversidade e é capaz de oferecer importantes serviços ecossistêmicos, como a regulação do ciclo do carbono e da água. O Pantanal abriga cerca de 2 mil tipos de plantas, 582 espécies de aves, 263 espécies de peixes, 132 espécies de mamíferos, 113 espécies de répteis e 41 de anfíbios, além da riqueza cultural oriunda das comunidades tradicionais quilombolas, indígenas e ribeirinhas. Isso propicia à região grande relevância ecológica e elevado potencial econômico com foco na biotecnologia e no ecoturismo.

O bioma tem seu próprio ciclo de inundações e estiagem e as alterações climáticas influenciam diretamente seu equilíbrio. Esse ano tem sido atípico no Pantanal, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), 2020 tem sido o ano mais seco das últimas décadas, com 40% menos chuva do que a média do mesmo período para anos anteriores e com nível dos rios atingindo a menor marca em 47 anos.

 
 

Por que isso acontece? Podemos relacionar essa seca extrema com fenômenos regionais, como a redução da formação de chuvas vindas da Região Amazônica pelo fenômeno conhecido como “rios voadores”. Isso ocorre devido as pressões que a Amazônia vem sofrendo, de aumento do desmatamento, incêndios e degradação florestal, que resulta na redução da capacidade da floresta de “produzir água” por meio do processo de evapotranspiração, e assim, consequentemente, ocorre a redução das chuvas em outras regiões, principalmente centro-oeste. Ou podemos relacionar a fenômenos globais, como a mudança do clima que tem se intensificado nos últimos anos pelo aumento da concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, que influencia no aquecimento da temperatura média do planeta e na intensificação da ocorrência de eventos climáticos extremos. De toda forma, os fenômenos climáticos regionais e globais são fortemente relacionados entre si, e nos chamam atenção sobre a forma que nossas ações em pequena escala influenciam o todo, e o porquê precisamos urgentemente rever nossos padrões de consumo que impactam o planeta.

Então, temos um ano mais seco que tem afetado diretamente a vegetação e tornado as áreas do Pantanal mais propícias a propagação do fogo. Mas da onde vem o fogo? O uso do fogo no Pantanal, assim como em outras regiões do país, é cultural e bastante utilizado nas atividades agropecuárias, sendo comumente utilizado para abertura ou limpeza de áreas para plantio e/ou criação de animais. Seu uso é previsto na legislação para dadas ocasiões e precisa ser realizado de forma controlada. Para controlar o uso do fogo, e evitar que ele se espalhe pelas áreas preservadas, é preciso fortalecimento dos órgãos públicos de comando e controle para disseminação de informação e conscientização da população, assim como, para fiscalização e punição dos infratores. Além disso, para a ação emergencial ser efetiva, esses mesmos órgãos precisam ser fortalecidos para que tenham a sua disposição ferramentas para controlar o fogo antes de virar, de fato, uma tragédia.

Além da questão climática da ocorrência de seca severa e do uso cultural do fogo, outros fatores tornam a propagação do fogo no Pantanal mais fácil, enquanto prejudicam o trabalho das equipes de brigadistas. Esses fatores vão desde o crescente desmatamento do bioma, a dificuldade de acesso da maior parte das áreas incendiadas, a existência de extensas áreas com grande proporção de camada orgânica nos solos que causam o ‘fogo subterrâneo’ (Fogo de Turfa), as oscilações dos ventos durante o dia, o sucateamento dos órgãos de fiscalização e controle e a lentidão do governo para agir. Dentre esses fatores, é possível detectar quais podemos controlar e quais não, não é? A ação homem em várias escalas é a chave para compreendermos o porquê que o fogo ainda continua destruindo o bioma depois de tantos meses.

Indo na contramão da solução, com todos esses fatores influenciando a propagação do fogo e apesar da urgência em controlar os incêndios, até o fim do mês de julho, não havia nenhuma aeronave no combate às chamas no Pantanal. Além disso, com o desmantelamento dos órgãos de fiscalização e controle, como ICMbio e IBAMA, as pessoas continuam fazendo uso de fogo sem controle e tendo como munição a certeza da impunidade. Ainda ouvimos a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina incentivar a pecuária da região ao dizer que “O boi é o bombeiro do Pantanal” e o presidente Jair Bolsonaro defendê-la, afirmando que o fato do boi comer capim evita o acúmulo de matéria seca e evita o fogo. Esses são exemplos da falta de ação do (des)governo Bolsonaro em controlar um dos piores desastres ambientais do país. As respostas e ações de Bolsonaro só reafirmam a completa desinformação e despreparo da gestão em se alinhar com as pautas ambientais enquanto segue querendo “passar a boiada”.

 
 

O Pantanal está em chamas! De janeiro a setembro deste ano perdemos em torno de 1/4 da área total do bioma. As imagens da tragédia são aterrorizantes. Cenas das chamas descontroladas percorrendo as extensas áreas são seguidas de cenas cinzas de destruição e morte. Milhares de árvores e animais são encontrados mortos pelo caminho percorrido pelo fogo e com eles a certeza de que estamos perdendo parte da nossa identidade. A região queimada abrange grandes santuários de populações de araras azuis e de onças pintadas, e áreas de habitat natural de diversas formas de vida únicas no planeta, que existem apenas aqui, no Pantanal. Todo esse sistema orgânico e único está sendo perdido e ainda não sabemos se conseguiremos recuperá-lo. Precisamos de ações concretas para controlarmos esse desastre, enquanto miramos em projetos de restauração para as áreas afetadas. Enquanto isso, fica a reflexão de que nossos hábitos de consumo impactam a vida do planeta diretamente e que estamos ultrapassando limites que serão difíceis de contornar. Nossos sistemas de produção, o uso irracional dos recursos naturais, uso de combustíveis fósseis, nossa forma de se alimentar e de se vestir impactam o planeta. O que você tem feito para mudar isso?

 

Jéssica Souza é ecossocialista, Engenheira Florestal pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e Mestranda do Programa de Pós Graduação em Ciências de Florestas Tropicais pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).
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Imagem da Capa: Um jacaré morto é fotografado em uma área que foi queimada em um incêndio no Pantanal.
Crédito: Amanda Perobelli/REUTERS – Reprodução